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quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Basta um teclado e um mouse para realizar os sonhos mais íntimos do seu coração?

“Nascer” para o Second Life é uma experiência que me despertou curiosidade, surpresa e espanto. Um mundo virtual que se diz capaz de propiciar uma “experiência ricamente compensadora”, de trazer como gratificação dinheiro real. O SL promete promover a criatividade em sua plenitude, “materializada” em objetos, serviços e construções colocadas à venda no metaverso. Ao residente do SL, é apresentada a perspectiva de um novo mundo, divertido e livre, construído a partir da imaginação, um mundo no qual podemos ser “donos” de terras, objetos e, sobretudo, livres em nossas ações. Dentre tantas promessas, não consigo encarar com tranqüilidade a afirmação presente no site do Second Life Brasil de que “basta um teclado e um mouse para realizar os sonhos mais íntimos do seu coração”.

Adentrar por esse mundo novo me fez pensar o estar do ser humano no mundo, a sua relação com o lazer, o trabalho, a vida em sociedade, o consumo, a busca por felicidade. Seria esse “universo paralelo” tão paralelo e distante assim do resto da vida? Tenho visto que a "segunda vida" carrega dilemas, contradições e conflitos semelhantes aos da “primeira vida”. Para além do teletransporte e da capacidade de voar, o mundo do SL obedece a normas, regras, padrões muito semelhantes aos do mundo dito real. Se no SL, a gravidade e o deslocamento no espaço funcionam de forma diferenciada das leis do “mundo real”, o mesmo não podemos dizer do arranjo entre os grupos, as relações de pertencimento, as interações e os conflitos entre os sujeitos, as normas de conduta (em várias ilhas, quando fazemos a primeira visita com o avatar, recebemos um “livrinho de regras” dizendo como devemos proceder naquele espaço). Às vezes tenho a impressão que os avatares seguem um padrão “Barbie e Ken”, com suas faces bonitas, narizes afinados, pele clara, penteados e roupas da moda, músculos definidos, cinturas finas, peitos que parecem modelados com silicone. Tenho a sensação de que todos podem ser o quiser, mas não conseguem querer o que quiser... O modelo de corpo que prevalece no SL é o mesmo valorizado e almejado na sociedade contemporânea.

Partindo do pressuposto de que o SL se estabelece como uma dimensão da vida social cotidiana, é de se esperar que ele padeça das restrições e limitações do mundo em que vivemos, que enfrente as mesmas contradições. Mas após meses como residente, acho que o SL também demonstra o quanto nossa imaginação, a partir das tecnologias, alcança novas fronteiras em diálogo com a vida cotidiana que acostumamos a chamar de “real”, e consequentemente, de “verdadeira”.

domingo, 25 de novembro de 2007

Para Carla Rodrigues

Por que estudar e falar de determinado assunto? Por que criar um blog? Por que fazer mestrado? Por que criar um blog justamente no momento de escrever a dissertação de mestrado? Por que priorizar determinadas escolhas em detrimento de outras? Tenho inúmeras respostas para tentar explicar os caminhos da minha vida. Frequentemente essas respostas me remetem à influência de pessoas queridas que se ligam a mim a partir de sonhos, medos, momentos de indecisão, conquistas, algumas tristezas e muitos sorrisos e alegrias vida afora. Ah! Que lista imensa poderia fazer aqui só para citar essas pessoas nesse blog que timidamente vou construindo. Mas, nesse momento, quero escrever sobre alguém que não me conhece. Nunca sequer nos vimos. Mas , nas suas palavras escritas, ela se fez especial pra mim.

Meu encontro com seus textos não pode ser precisado. Da época de ensino médio, por indicação de um amigo, me tornei leitor do extinto site “no.com.br”. Acompanhei com pesar o aniquilamento desse site para, algum tempo depois, vibrar com a descoberta do “nomínimo”, um site (que infelizmente também saiu do ar) que surgiu como um alento aos antigos leitores órfãos do “no”. E foi nessa época, já nos primeiros anos dessa década, que comecei a ler, atraído pelos assuntos abordados, as colunas, e depois os posts, da jornalista Carla Rodrigues no site “nominino”. Os seus textos, que falavam de comportamento, artes, tv, tecnologia, sexo, filosofia, cinema, poesia..., alimentaram várias conversas de bar, me despertaram para leituras e ampliaram o meu olhar para ângulos, detalhes e assuntos que antes me eram indiferentes.

Entre março e abril de 2004, já no penúltimo ano do curso de Educação Física, eu estava em busca de um tema de pesquisa para escrever um projeto e concorrer à renovação de uma bolsa de iniciação científica. Meu orientador, amigo e grande parceiro nessa vida, Silvio Ricardo da Silva, sob a justificativa de que eu tinha dificuldade (comprovada) de tomar decisões, me delegou toda a responsabilidade da escolha do tema de pesquisa: um exercício para minha formação que me renderia várias noites em claro.

Numa dessas madrugadas passadas na rede em busca de uma luz para o tal projeto, surgiu a Carla Rodrigues com uma série de resenhas de livros reunidas sob o título de “Na pós-Internet, o pós-sujeito” (05/04/2004). Foi o gatilho para minha aproximação com a cibercultura! Quatro dias virados e eu tinha um projeto que buscava entender a influência das tecnologias sobre as brincadeiras de crianças e jovens. Foi assim que passei a ter uma relação de cumplicidade com a Carla Rodrigues, uma estranha tão familiar que se apresentava e se materializava nas linhas da tela de um monitor.

O desenrolar desse projeto me aproximou do mestrado. Ingressei em 2006 no Programa de Pós-Graduação em Educação Física da UFSC e passei a participar do Observatório da Mídia Esportiva, um grupo que busca entender e tratar pedagogicamente os sentidos/significados construídos pela mídia sobre as diversas manifestações de práticas culturais de movimento. Eu estava atento para as relações entre a tecnologia e o cotidiano quando novamente me surgiu a tal da Carla, a Rodrigues, e um de seus textos. Era novembro do ano passado e ela me surpreendeu com um post no seu blog “Contemporânea” (nominimo) que trazia um título enfático: “Não está gostando dessa vida? Tente outra…” A notícia relatava uma reportagem da CBS News intitulada, por sua vez, com o questionamento: “Is Virtual Life Better Than Reality? Os dois textos curtos apresentavam o Second Life (SL), um universo tridimensional (3D) digital on-line que prometia a possibilidade de realizar-se de uma forma que a vida real não oferece. O SL era completamente desconhecido por mim e me deixou perplexo. Eu ainda não sabia, mas a Carla estava, mais uma vez, dando a dica para as minhas escolhas pela vida.

Alguns meses depois, apresentei o Second Life, a partir do texto da Carla, para o professor Giovani de Lorenzi Pires, meu co-orientador no mestrado. Foi esse gaúcho do Alegrete, um dedicado cara de grande coração, que me disse pela primeira vez que eu devia e podia estudar o SL. Era uma vontade que eu tinha ainda tímida, mas que eu pensava ser inviável dentro da especificidade da Educação Física. Sai radiante daquela reunião. E com uma gratidão e carinho crescente e explícito pela estranha familiar que eu lia na rede.

Por muito tempo a Carla não teve rosto. Também não tinha um timbre de voz. Eu não imaginava sua idade, altura, cor de pele. Ela era uma miscelânea de textos e assuntos que me emocionavam, provocavam, ensinavam, divertiam. Até que um dia seu livro sobre o Betinho começou a ser divulgado. Carla ganhou na minha mente uma pequena biografia, depois um rosto em uma foto. Foi então que eu parei toda a casa com um acontecimento. A Carla Rodrigues, de quem eu tanto falava, podia ser vista em um vídeo na Internet!!! Era uma entrevista no projeto Sempre um Papo falando sobre o seu livro. A Carla ganhou voz, gestos, histórias, expressões na face, sorriso, um corte de cabelo. Ela transparecia emoção, pela primeira vez, para além das suas palavras escritas.

Há alguns anos eu ensaio para escrever essas linhas. Tanto ensaio para agora me valer do improviso. Pela primeira vez tenho coragem de escrever para Carla. A minha leitura da escrita cotidiana dela na rede foi fundamental para que eu tivesse a vontade de criar um blog. Por isso, a essa pessoa especial, quero desejar o blog Ilhas Desconhecidas. É um agradecimento por ela me acompanhar na minha trajetória.

* Quem quiser saber mais sobre a Carla Rodrigues e ler seus textos, acesse o blog da jornalista aqui.


segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Dualidade entre real e virtual

Os exemplos anteriores - que ilustram a presença da tecnologia no cotidiano - têm sua origem na minha busca por elementos que ajudassem a pensar, inicialmente, as relações entre lazer e tecnologia na sociedade contemporânea. Antes de me adentrar pelo Second Life, tinha em mente fazer um estudo que se apropriasse de procedimentos etnográficos para compreender os usos da tecnologia por parte da juventude. No entanto, não queria partir do “real” para chegar até o “virtual”. O caminho inverso me parecia mais atraente e rico em possibilidades. Queria buscar redes de sociabilidade on-line que me remetessem à vida cotidiana, às relações locais, à convivência face-a-face. A dualidade entre real e virtual me parecia mais uma divisão para reflexão acadêmica do que um dilema sentido pelas pessoas que usam a tecnologia. Diariamente abrimos nossos e-mails, nos comunicamos pelos celulares, transferimos dinheiro em caixas eletrônicos, lemos notícias na Internet, escutamos músicas em MP3 e não paramos pra pensar até onde vai o real e onde começa o virtual. Entender o que (e como) as pessoas estão fazendo nesse “misterioso” ciberespaço é um passo importante para pensar a quebra/ressignificação de dualismos como o real/virtual, local/global, autêntico/fabricado, tecnologia/natureza, representação/realidade.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

A tecnologia no cotidiano IV

A tecnologia está inserida em que dimensões das nossas vidas? Nos nossos apetrechos digitais? Nas redes tecnológicas que cortam nossas cidades? No nosso imaginário? Nas marcas da pele ou adentrando nosso corpo? Hoje combatemos nossas supostas doenças antes que elas existam de fato. Nossas doenças, ainda não manifestadas, são identificadas em seu potencial pelas novas técnicas da medicina que combinam mapeamento genético, histórico familiar, exames cada vez mais detalhados e precisos. Como viver bem, melhor, feliz? A alimentação deve ser regrada, a rotina de exercícios seguida. Se for correr, escolha o tipo de tênis adequado ao seu tipo de pé. Reduza as medidas do corpo. Aumente o tamanho dos seios. Cuidado! A proporção entre a circunferência do abdômen e a do quadril indica o risco de uma doença coronariana. Esteja em forma para o verão. Verde será a cor do inverno. As gorduras trans podem ser fatais. Na hora da ressaca, lembre-se de que a associação entre paracetamol e álcool é tóxica ao fígado. Atenda o celular, pode ser urgente. Durma oito horas por noite, se alimente de três em três horas. Não abra anexos de e-mails desconhecidos, você pode pegar um vírus.

Para Bauman – em seu livro Modernidade Líquida – o projeto do panóptico, utilizado por Michel Foucault como arquimetáfora do poder moderno, é superado a partir do momento que o poder pode se mover com a velocidade do sinal eletrônico. A modernidade seria pós-Panóptica no seu arranjo contemporâneo. A resistência do espaço deixa de ser um limitador para que se exerça o controle. Assim, “a velocidade, o movimento e o acesso a meios mais rápidos de mobilidade chegaram nos tempos modernos à posição de principal ferramenta do poder e da dominação” (BAUMAN, 2001, p. 16). Os mecanismos de controle deslocam-se do poder institucionalizado e visível para outras esferas. São desregulamentados numa transição onde os controles externos são diluídos para dentro dos indivíduos.

Seriam os esconderijos cada vez mais escassos no mundo contemporâneo? A sensação é de que não há onde não ser encontrado depois do celular. Que não há recado não dado depois do e-mail e dos programas de mensagens instantâneas. Que não há momento não registrado depois da fotografia digital. Que não há música impossível de ser encontrada e ouvida depois do MP3. Que não há doença que não possa ser prevenida. Que não há corpo que não possa ser modelado. Que não há tristeza que não possa ser metamorfoseada em promessas de felicidade.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

A tecnologia no cotidiano III

Mais um exemplo da presença da tecnologia no cotidiano vem de um período em que estive responsável, como professor de Educação Física, pela política de esporte e lazer de um município de aproximadamente três mil habitantes do interior de Minas Gerais, entre os anos de 2005 e 2006. Rio Doce é uma cidade, como tantas outras, pobre e desigual, que possui uma população predominantemente rural. No município, poucos canais abertos de televisão estão disponíveis e poucas casas têm acesso à TV por assinatura, que só é disponível via satélite. A instalação de antenas de telefonia móvel é uma promessa distante e existem poucos pontos de acesso à Internet disponibilizados pela prefeitura, apenas um deles na escola municipal. Ainda assim, por várias vezes observei que crianças e jovens verbalizavam um preciso e extenso conhecimento acerca de assuntos aparentemente distantes da sua realidade cotidiana: detalhes técnicos de carros importados, organização urbana, administração de empresas, estratégias militares, conhecimentos geográficos, políticos, esportivos. Como não indagar sobre a origem e abrangência de tais conhecimentos?

Busquei nos diálogos com os alunos entender o fabuloso conhecimento esportivo que eles traziam de fora do ambiente escolar. No caso específico do futebol, eles sabiam não só o nome dos principais campeonatos e times de futebol do mundo, como conheciam a escalação dos jogadores de cada time, as cores dos uniformes, a bandeira de cada clube. Diziam o país de origem de cada atleta e suas características técnicas, táticas e físicas. Detalhavam a posição em campo, a estatura, peso, fisionomia, perna mais habilidosa e até qual jogador do banco de reservas é o mais indicado para substituição em caso de lesão do titular. Arranjos táticos complexos eram esmiuçados em suas falas: diferentes esquemas táticos, organização da defesa e ataque, adequação do sistema de jogo de acordo com as características do time oponente. A transação de jogadores a cada temporada também era acompanhada. As regras eram dominadas e interpretadas.

Uma explicação que passasse pela exaltação da “pátria de chuteiras” me pareceu improvável quando percebi que os alunos conheciam também detalhes do basquete, do tênis e do beisebol, esportes improváveis em tais terras interioranas. As aulas de Educação Física também não eram a origem daquele saber. Fui o primeiro professor dessa disciplina a atuar na rede municipal de ensino. Indagados pela origem de tais conhecimentos, a resposta foi simples e direta: “professor, aprendemos no vídeo game”. Como quase nenhuma das crianças e jovens possuía o aparelho em casa, eles trabalhavam fora do horário escolar vendendo picolés, entregando pães e ajudando na manutenção de hortas e pequenas criações. Eles então repassavam parte do dinheiro aos pais e usavam o restante para alugar a hora de uso de aparelhos de vídeo game em uma pequena videolocadora da cidade. O horizonte do conhecimento ampliado para além dos limites da pequenina cidade a partir dos jogos eletrônicos.

Desde então não consigo deixar de pensar nos jogos digitais como novos álbuns de figurinhas impulsionados pela interatividade que a tecnologia proporciona. O desafio de “atuar” como os melhores do mundo da bola é uma experiência cada vez mais interativa e busca ser fidedigna, à imagem da realidade. Qual o limite dos jogos digitais que criam e recriam, cada dia com mais realismo de imagens e sensações, o mundo que se quiser? Dirigir carros, praticar esportes radicais, administrar cidades, comandar impérios e exércitos de diferentes épocas da história, viver uma vida cotidiana perfeita. Longe do estigma de diversão solitária, os jogos cada vez mais abrem a possibilidade de interação com outros jogadores em rede, estejam eles no mesmo console de vídeo game, no computador ao lado ou do outro lado do oceano.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

A tecnologia no cotidiano II

O site Guia Floripa, que disponibiliza a agenda cultural e as possibilidades turísticas da cidade de Florianópolis – SC, ao descrever um "tradicional point da juventude da ilha", a Praia Mole, ressalta que “nos dias mais quentes a paquera toma conta do lugar. Corpos atléticos e torneados desfilam por suas areias, exibindo todo o charme de quem sabe aproveitar as coisas boas da vida”. Entre os corpos esculturais que transitam pela característica areia fofa da praia, um olhar mais atento se surpreende com a dinâmica de inteiração social da juventude que ocupa aquele espaço. Tanto a ostentação da beleza estética explicitada no ideal do corpo perfeito quanto a busca pelo contato corporal com a natureza convivem com práticas que advém das novas tecnologias e estabelecem uma cena que parece contraditória.

Os corpos perfeitos que dividem o mesmo espaço na areia se perdem em um ritual individual e solitário que se volta para as músicas executadas em um tocador de MP3. Por horas consecutivas não há diálogo com quem divide a faixa de areia. O mundo exterior ao sujeito parece fragmentado, suas partes são selecionadas e isoladas de acordo com o interesse particular: sai o que (ou quem) for inconveniente, ficam a areia, o sol e o mar. Já não há contentamento com uma exuberante paisagem natural. A paisagem deve seguir a lógica de um videoclipe onde as imagens são sempre acompanhadas por uma trilha sonora.

Na outra extremidade da situação, o visual “roupa de banho, óculos escuros e chinelo de dedo” ganha a companhia dos celulares. Mais uma vez os ocupantes da praia não convivem entre si. Perdem-se em um mundo de conexões de alcance incalculável Os celulares aproximam quem está distante e afastam quem está próximo. A praia lotada abarca, além das relações tradicionais e dos corpos perfeitos, centenas de pessoas que estão transitando ou por uma realidade própria e solitária ao som da música que não é compartilhada com a pessoa ao lado, ou pela conversa que se estende por um mundo alheio e distante da praia a partir da telefonia móvel. Como entender os usos da tecnologia em um ambiente onde o corpo é exposto e sobrevalorizado? O corpo é reificado na busca pela estética do belo, é cultuado como mais um acessório que se ostenta no ambiente da praia? Ele é anulado, esquecido, torna-se um corpo diluído pela imersão no ambiente tecnológico? Ou ampliado em possibilidades, tendo nos aparatos tecnológicos a extensão e ampliação dos seus sentidos?

Em um fim de semana de sol, ao andar pela Praia Mole lotada, vemos inúmeros corpos belos e sarados. Um desfile de sungas e biquínis revela tatuagens estampadas em curvas e músculos perfeitos. Pessoas conectadas por celulares conversam remotamente por voz, trocam mensagens instantâneas, guardam suas imagens digitalmente e até se banham no mar de vez em quando. Se não fosse pelas horas de musculação e ginástica, pelos tratamentos de beleza sofisticados, pelas cirurgias plásticas evidenciadas pelos implantes de silicone, por um ou outro ciclo de durateston (esteróide injetável que combina 4 ésteres da testosterona) e pelo fato de ninguém passar voando, eu até pensaria que aquelas pessoas são avatares em uma ilha do Second Life. Avatares que exibem corpos imaginados cheios de perfeição editados em uma ferramenta 3D e que escolhem se vão interagir usando o recurso de voz ou o chat. Não resisti à comparação.


domingo, 11 de novembro de 2007

A tecnologia no cotidiano

Como a tecnologia se insere no dia-a-dia? Qual a abrangência das transformações que ela traz para a sociedade? Como se dá o acesso aos diferentes mundos virtuais? Quais as barreiras se interpõem a esse acesso? Grupos aparentemente excluídos digitalmente criam estratégicas para superar essas barreiras no cotidiano? Acho pertinente pensarmos em diferentes situações onde tecnologia, cultura e cotidiano se imbricam – indissociáveis – no mundo contemporâneo. Nas próximas postagens, escreverei sobre a tecnologia no cotidiano a partir da minha observação e das minhas impressões. Para isso, usarei exemplos diversos até me aproximar do SL.

Para começar, imaginemos uma situação trivial. O telefone está chamando, mas o som do seu toque não adentra a casa mobilizando os moradores. Ninguém corre para atendê-lo. O telefone chama. Ele é móvel e está no bolso do jovem que transita pelas ruas da cidade dentro de um ônibus. O celular vibra silenciosamente em busca de atenção. Uma mão segura um skate. A outra saca o aparelho. Olhos no visor colorido: uma mensagem recebida. O texto, um chamado de letras condensadas em um português reinventado e ágil, é enfático: o caminho traçado pelas ruas da cidade deve ser alterado. Um novo ponto de encontro foi escolhido. O jovem que iria se reunir com sua turma de skatistas no parque da cidade mudou sua rota após receber uma mensagem de celular (SMS) dizendo que as manobras teriam como palco o calçadão do centro comercial.

Presente na maioria das cidades brasileiras, o sistema de antenas que garante a área de cobertura do sinal dos aparelhos celulares é apenas um exemplo do aparato técnico que está inserido no espaço urbano tão intensamente que sua presença se torna sutil. Carregamos nossos celulares e atendemos ao seu chamado como algo absolutamente “natural” e corriqueiro. Confesso que às vezes tenho a sensação de que sair de casa sem o celular é como andar seminu pela cidade.

sábado, 10 de novembro de 2007

SL como dimensão da vida social contempôranea

Existe o risco de limitarmos nosso entendimento sobre a cibercultura ao desumanizar o humano e/ou humanizar o tecnológico. As transformações impulsionadas pela tecnologia reconfiguram as relações sociais, a forma de ocupação do espaço, a pragmática da comunicação, a economia, o consumo, os mecanismos sociais de controle, a arte, a política, o trabalho, o lazer, o constructo cultural do corpo. Mas não podemos pensar a tecnologia como uma entidade dissociada, autônoma e poderosa a redesenhar o mundo em que vivemos. É possível, e no meu entendimento, necessário, pensarmos a tecnologia em sua dimensão social e o mundo digital como cenário de ação atrelado à vida cotidiana.

Para isso precisamos responder a uma pergunta feita pelo professor Theophilos Rifiotis, coordenador do GrupCiber, Grupo de Pesquisa em Ciberantropologia do Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da UFSC: o que as pessoas fazem quando estão na Internet? A busca estaria assim na compreensão dos usos que fazemos da tecnologia. Delinear os significados que atribuímos a ela é uma tarefa que remete a nós mesmos e às nossas relações mediadas por esses objetos tecnológicos que já naturalizamos no cotidiano. O desafio é desviar o olhar da esfera estritamente tecnológica para focar a esfera dos valores e significados que emergem nesse contexto.

Tanto se fala do Second Life e das suas fantásticas e promissoras perspectivas econômicas, sociais, educacionais... Mas não sabemos ao certo como as pessoas estão usando essa plataforma e o que esse uso representa pra elas. O Second Life e outros ciberespaços não são uma cisão com o mundo que conhecemos, mas sim dimensões da vida social contemporânea.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Algumas motivações para escrever o blog

Esse blog foi criado para compartilhar questões decorrentes da minha pesquisa sobre o Second Life (SL) – a tal já bastante falada plataforma 3D de sociabilidade na Internet. Tratarei aqui de questões relacionadas ao SL propriamente dito, mas também de cibercultura, Educação Física e mídia e outros assuntos afins, acadêmicos ou não.

Tive algumas motivações para começar a escrever nesse novo espaço. Vou destacar algumas sem, no entanto, classificá-las em uma ordem de importância:

-Sou um leitor assíduo de blogs e já tive contato com muita coisa interessante navegando por essas páginas. Acredito no potencial de interação e difusão de idéias que os blogs possuem.

- Passo a adotar o ato de escrever no blog como um organização preliminar da teoria, metodologia, dos diários campo e das análises da minha pesquisa. Assim faço do blog um espaço de discussão com pesquisadores e demais interessados na temática e, de certa forma, um rascunho da dissertação.

- Pesquisar na internet envolve uma dimensão ética importante: o pesquisador pode facilmente ser anônimo no seu campo. Entendo então o blog como uma possibilidade de esclarecer os sujeitos envolvidos na pesquisa e dialogar com eles.

- O programa de pós-graduação em Educação Física da UFSC me permite (e incentiva) a adoção de um modelo alternativo à dissertação para a defesa do mestrado: dois artigos (um aprovado e outro encaminhado) em periódicos Qualis B nacional ou superior. Não menosprezando os periódicos, creio que posso divulgar de forma mais dinâmica e abrangente o desenrolar da minha pesquisa e os seus resultados a partir de um blog. Se pudesse adotar um modelo alternativo, seria esse.

- Posso escrever no blog coisas que não se encaixariam em uma dissertação. Mestrando também sabe (e precisa) falar do resto da vida pra além da pós-graduação.

Espero que tenham curiosidade para acessar o blog, paciência para uma leitura de vez em quando e disposição para fazer comentários!

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Imigrantes da subjetividade?

Seria a ilha desconhecida um destino utópico dos novos nômades contemporâneos descritos por Pierre Lévy (1998, p. 14) ao afirmar que “somos imigrantes da subjetividade”? Lévy é entusiasta da idéia de que atual curso dos acontecimentos no domínio tecnológico converge para a constituição de um novo meio de comunicação, de pensamento e de trabalho para as sociedades humanas. Para o autor, o “espaço do novo nomadismo não é o território geográfico, nem o das instituições ou o dos Estados, mas um espaço invisível de conhecimentos, saberes, potências de pensamento em que brotam e se transformam qualidades do ser, maneiras de constituir a sociedade”.

Confesso que a idéia de que estamos nos tornando imigrantes da subjetividade me atrai. Imigrantes da subjetividade a transitar pelas ilhas do Second life... Penso que a expressão pode fazer sentido em um contexto em que interagimos e nos relacionamos a partir da internet, do telefone celular... Mas faço ressalvas. Dizer que o território do novo nomadismo não é geográfico contradiz as impressões que tenho e os apontamentos de outras pesquisas recentes que tratam da cibercultura. Prefiro partir do princípio de que existe uma tensão entre local e global, uma relação dialética onde o primeiro não é suprimido pelo segundo. É em Milton Santos, no livro “A natureza do espaço: espaço e tempo: razão e emoção”, que encontro elementos para contrapor o otimista “espaço invisível” de Lévy. O geógrafo brasileiro considera o espaço como “um conjunto indissociável de sistemas de objetos e de sistemas de ações”. Buscando uma interpretação da atualidade, e preocupado com uma “ontologia do espaço”, Milton se atém às discussões sobre o sistema técnico atual, as categorias tempo-espaço, a transposição do meio natural ao meio técnico-científico-informacional, a geografia das redes. Ao final do seu livro, ele apresenta um capítulo intitulado “O lugar e o cotidiano”, um belo texto que toca na dimensão espacial do cotidiano e fala de “um dinamismo que se está recriando a cada momento, uma relação permanentemente instável, e onde globalização, localização e fragmentação são termos de uma dialética que se refaz com freqüência” (SANTOS, 1999, p. 252).

IDENTIDADE NA TENSÃO ENTRE LOCAL E GLOBAL

Após meu cadastro no SL, quando enfim, após muito estranhamento com a interface, comandos e recursos do programa, descobri a opção de “busca”, tratei de procurar e me teletransportar para uma ilha “brasileira”, que, por sua vez, estava cheia de avatares "brasileiros". Depois fiquei a questionar o porquê de buscar a referência da identidade nacional quando se está em um mundo sem fronteiras onde os espaços são de livre circulação e o teletransporte é instantâneo. Temos no SL a possibilidade de realizar viagens imóveis, navegações transversais e heterogêneas pelas “infovias”, exercer o novo nomadismo de Pierre Lévy nos tornando imigrantes da subjetividade. Ainda assim nos remetemos às identidades nacionais? Será a busca por um ambiente que parecesse familiar? A busca por pessoas que compartilham a mesma língua mãe? Por que reforçar a identidade nacional em um ambiente imaginado?

LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola, 1998.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo: razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1999.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Desembarcando em ilhas tecnológicas

Poderás dizer-me pra que queres o barco, Para ir à procura da ilha desconhecida, Já não há ilhas desconhecidas, O mesmo me disse o rei, O que ele sabe de ilhas aprendeu-o comigo, É estranho que tu, sendo um homem do mar, me digas isso, que já não há ilhas desconhecidas, homem da terra sou, e não ignoro que todas as ilhas, mesmo as conhecidas, são desconhecidas enquanto não desembarcamos nelas. (SARAMAGO, José. O conto da ilha desconhecida. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 27)

Em seu conto permeado por um universo simples e mágico, José Saramago narra a história de um homem que pede um barco ao rei. Não qualquer barco, mas um que seja capaz de navegar mar afora em busca de uma ilha desconhecida. Metáfora dos nossos tempos, navegar não nos remete apenas ao deslocamento de um ponto a outro da superfície terrestre através dos incontáveis caminhos fluidos, porém físicos, do nosso planeta. O mundo, um dia mapeado por cartógrafos e hoje desnudado por satélites, já não abarca em seus mapas impressos a transformação (des)contínua(1) e rápida das paisagens científica, técnica, econômica, profissional, social. Navegar representa a propagada mobilidade que o mundo contemporâneo vivencia no cotidiano. A tecnologia abre um mar virtual a ser atravessado entre universos de problemas, mundos vividos, paisagens de sentidos. Um mar que não traz nítidos os seus limites e fronteiras e que desperta o olhar em busca do desconhecido.

Tempo e espaço, categorias básicas da existência humana, são experenciados de novas maneiras no cenário contemporâneo. Numa releitura de Camões aos ventos da tecnologia, navegar não é mais preciso. Navegar se tornou impreciso(2). Tempo e espaço ganham outras/novas concepções e significados e influenciam a organização de nossas rotinas diárias. São dissociados, comprimidos, estendidos, dissolvidos, supervalorizados, esvaziados. O distanciamento entre o tempo e o espaço, marco do mundo moderno, se torna tão extremado na imprecisão das navegações virtuais que nos leva a repensar a própria noção de modernidade. Vivenciamos hoje uma ruptura ou uma continuidade da organização social da modernidade(3)? A tensão entre uma continuidade moderna ou uma suposta ruptura pós-moderna coloca no centro da discussão a relação espaço-temporal advinda do uso das tecnologias. Mudou o mundo ou a maneira de enxergá-lo?

A ilha desconhecida a ser buscada não é puramente a informação. As ilhas não são construídas apenas de bytes, chips, fios, ondas eletromagnéticas que transitam antena a antena pelo ar. A informação – binária, digital, imaterial – não faz sentido sem pensarmos a sua relação com o ser humano, sua cultura e sociedade. Se todas as ilhas são desconhecidas enquanto não desembarcamos nelas, a busca por elas é pressuposto da sua existência. O rei do conto de Saramago pergunta ao homem que ilha desconhecida é essa que ele quer ir à procura. Ele responde que se pudesse dizer, então ela não seria desconhecida. Se a ilha desconhecida já não se encontra mar afora, qual o destino dos imigrantes que navegam se lançando aos mares digitais?

1 Vejo com desconfiança a suposição de que vivenciamos transformações contínuas no mundo contemporâneo. A idéia de continuidade me remete a um desenvolvimento unilinear e determinista que camufla possíveis rupturas, tensões, retrocessos, saltos qualitativos/qualitativos. Não creio que as transformações seguem uma direção que aponta necessariamente para o progresso, o bem-estar, a solução.

2 O jogo de palavras foi feito pelo professor Nelson Pretto, da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, em palestra proferida na UFSC em 2006 intitulada “Tecnologia e Novas Educações”.

3 Alinho o pensamento com autores que crêem na continuidade do projeto moderno de sociedade, constatando, no entanto, que as transformações em voga nas últimas décadas pressupõem uma releitura do conceito de modernidade. Penso em desenvolver melhor essa idéia posteriormente no blog.