A tecnologia está inserida em que dimensões das nossas vidas? Nos nossos apetrechos digitais? Nas redes tecnológicas que cortam nossas cidades? No nosso imaginário? Nas marcas da pele ou adentrando nosso corpo? Hoje combatemos nossas supostas doenças antes que elas existam de fato. Nossas doenças, ainda não manifestadas, são identificadas em seu potencial pelas novas técnicas da medicina que combinam mapeamento genético, histórico familiar, exames cada vez mais detalhados e precisos. Como viver bem, melhor, feliz? A alimentação deve ser regrada, a rotina de exercícios seguida. Se for correr, escolha o tipo de tênis adequado ao seu tipo de pé. Reduza as medidas do corpo. Aumente o tamanho dos seios. Cuidado! A proporção entre a circunferência do abdômen e a do quadril indica o risco de uma doença coronariana. Esteja em forma para o verão. Verde será a cor do inverno. As gorduras trans podem ser fatais. Na hora da ressaca, lembre-se de que a associação entre paracetamol e álcool é tóxica ao fígado. Atenda o celular, pode ser urgente. Durma oito horas por noite, se alimente de três em três horas. Não abra anexos de e-mails desconhecidos, você pode pegar um vírus.
Para Bauman – em seu livro Modernidade Líquida – o projeto do panóptico, utilizado por Michel Foucault como arquimetáfora do poder moderno, é superado a partir do momento que o poder pode se mover com a velocidade do sinal eletrônico. A modernidade seria pós-Panóptica no seu arranjo contemporâneo. A resistência do espaço deixa de ser um limitador para que se exerça o controle. Assim, “a velocidade, o movimento e o acesso a meios mais rápidos de mobilidade chegaram nos tempos modernos à posição de principal ferramenta do poder e da dominação” (BAUMAN, 2001, p. 16). Os mecanismos de controle deslocam-se do poder institucionalizado e visível para outras esferas. São desregulamentados numa transição onde os controles externos são diluídos para dentro dos indivíduos.
Seriam os esconderijos cada vez mais escassos no mundo contemporâneo? A sensação é de que não há onde não ser encontrado depois do celular. Que não há recado não dado depois do e-mail e dos programas de mensagens instantâneas. Que não há momento não registrado depois da fotografia digital. Que não há música impossível de ser encontrada e ouvida depois do MP3. Que não há doença que não possa ser prevenida. Que não há corpo que não possa ser modelado. Que não há tristeza que não possa ser metamorfoseada em promessas de felicidade.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
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