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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Avatares no Second Life: corpo e movimento na constituição da noção de pessoa on-line

No dia 16 de feveiro de 2009, defendi, no Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGEF/UFSC), a dissertação de mestrado intitulada "Avatares no Second Life: corpo e movimento na constituição da noção de pessoa on-line".

Compartilho sua versão final e os artigos que já foram publicados de recortes do trabalho.


PEREIRA, R. S. ; SILVA, M. R. ; PIRES, G. L. . Representações de corpo e movimento no ciberespaço: notas de um estudo etnográfico no jogo Second Life. Licere (Centro de Estudos de Lazer e Recreação. Online), v. 12, p. 1-23, 2009.


Passados dois anos, um balanço desse blog...

Há mais de dois anos, sob o calor da escrita da dissertação sobre os "avatares no Second Life", publiquei pela última vez escritos sobre as reflexões da pesquisa. Escrevi menos do imaginava e gostaria. Por outro lado, o blog alcançou parte do seu objetivo: organizou e compartilhou ideias sobre a pesquisa em um momento de instabilidade dos rumos que seriam tomados.

De lá para cá muita coisa aconteceu. O trabalho foi defendido e apresentado em congressos, artigos foram publicados, me envolvi com diferentes atividades profissionais, ingressei no doutorado.

Meu foco de estudo continua a ser a intersecção entre tecnologias, corpo/avatar, brincadeiras e imaginação, mídia-educação. Mas por hora não penso em ter o SL como campo específico das minhas pesquisas. Diante disso, fiquei em um dilema: ressuscito em uma metamorfose o "ilhasdesconhecidas.blogspot" ou construo um novo espaço para compartilhar minha ideias e descobertas atuais?

Optei pelo segundo caminho. Assim, postarei uma última mensagem - um gran finale para esse blog - com os links para a dissertação e artigos que resultaram da pesquisa no SL.

Em busca de novas ilhas desconhecidas, deixarei também o novo endereço onde passarei a publicar.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Ilhas Desconhecidas

Ilhas Desconhecidas
por Rogério Santos Pereira


Essa ilha que outrora
fora desconhecida
Ao fazer-se conhecida,
tornou-se abandonada.

Depois de um desembarque,
o desconhecido se revela,
o coração não mais palpita,
as retinas se acostumam,
todo grito silencia.

A ilha que perdeu o adjetivo

se preenche de monotonia.

Os olhos só se acalmam
olhando para o mar
até que a alma se perda
em balanços,
nas esquinas
da linha do horizonte.


É hora de lançar,
remar sem leme, ir,
mesmo sendo cômodo ficar.

Talvez os ventos soprem para outras direções.
Ou o timoneiro, fatigado de escolher caminhos,
afaste-se do leme,
deixando que a embarcação
vague
lentamente
perdida
como um ponto no oceano
que se imortaliza qual fotografia.

Não há temor diante das tempestades:
O náufrago de um mar com a profundidade de um pires
não se afoga, cai de joelhos.
Talvez a posição não se preste a uma prece,
mas se de joelhos vai ao chão,
restará a aflição
de que do chão
não passará.

Do barco para o pires;
de joelhos, ao chão.
O oceano transborda
em pontos de vista,
Perdura a busca
de uma nova visão.

Do mar para o chão
de novas ilhas.
Um outro desembarcar
que desmancha
tudo o que um dia
se desconhecia
e se revela
nas variações dos tons
da monotonia

A ilha perde o adjetivo,
o grito,
o sentido.
O desejo não era da ilha,
mas sim do desconhecido.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Sobre o "virtual"

Historicamente polissêmicos, calcados em posicionamentos valorativos, os conceitos de “virtual”, e do seu habitual par categorial, o “real”, são discutidos, tensionados sob diferentes perspectivas. Reconheço a dificuldade de me arriscar pela suposta imaterialidade do “virtual”, tendo como partida (e chegada) a minha inserção na Educação Física, campo acadêmico que transita, para lidar com o corpo e o movimento, entre a construção de sua especificidade pedagógica e a sua reivindicação como uma área do conhecimento científico[1]. Basta elucidar que a gênese da Educação Física está fortemente associada às instituições militar, médica e educacional, pautadas tradicionalmente em concepções biológicas e/ou dualistas de corpo, para situar o desafio que é falar de corpos que não são aqui manifestações de um genoma ou arcabouços para a mente, mas apresentações sócio-técnicas do eu[2] criadas por pessoas que interagem a partir de cenários digitais do jogo Second Life..


Que referências podem ser usadas para delimitar o que é o “virtual”? Quais as suas características? O “virtual” se opõe ao “real”? Como esse par conceitual se revela nas interações dos sujeitos que se estabelecem nas fronteiras entre o on-line e o off-line? Que significados esses sujeitos atribuem, a partir das suas experiências, ao que é “virtual” em suas vidas? Não podemos ignorar que a opção por uma determinada concepção do que é o “virtual” (e de como este se manifesta) influencia a maneira como são analisadas as práticas da vida cotidiana que estão, direta ou indiretamente, associadas ao uso de tecnologias digitais.



[1] Sobre a constituição do campo acadêmico da Educação Física e a busca por sua identidade epistemológica, ver BRACHT, Valter. Educação física & ciência: cenas de um casamento (in)feliz. Ijuí: Ed. Unijuí, 1999.

[2] A expressão se pauta na abordagem interacionista e dramatúrgica de Goffman (A apresentação do eu na vida cotidiana). O referencial é utilizado por Maria Elisa Máximo (2006) em sua tese de doutorado intitulada “Blogs: o eu encena, o eu em rede. Cotidiano, performance e reciprocidade nas redes sócio-técnicas”. Em seu trabalho a autora analisa os blogs como um fenômeno social que engendra uma forma específica de apresentação do eu. Tratarei do uso do conceito de apresentação sócio-técnica do eu para analisar os avatares do Second Life em uma outra postagem...

FÍSICA INTERESSANTE NO SECOND LIFE

"O que é Realidade? Temos uma percepção da Realidade? Vemos as coisas como elas realmente são? Eu acredito que não! Acredito que é uma questão de convicção, não de percepção"!

As linhas acima, que trazem instigantes questões (para as quais não tenho resposta), foram retiradas do blogNATO - Física Interessante, cujo autor é um cara chamado Renato.

Nada sabia do Renato até minutos atrás. Mas há pouco ele me trouxe uma alegria. Me surpreendeu sendo o primeiro seguidor oficial deste blog. A felicidade vem de saber que alguém se interessa pelo que está escrito nas minhas postagens, e que quer saber sempre que algo novo for adicionado ao blog. A surpresa vem do fato de alguém querer seguir esse blog mesmo constatando a irregularidade da minha dedicação a esse espaço, que conta com raras publicações esse ano.

Não farei aqui uma biografia do Renato. Ele tece, nas informações que disponibiliza na rede, sua própria apresentação. Após breve navegação pelo seu blog, perfil do Blogguer, artigos publicados, listas de interesse, currículo Lattes (é o Orkut acadêmico), já posso montar uma imagem de quem é esse pioneiro seguidor do Ilhas Desconhecidas. Renato agora tem sobrenome, rosto, profissão, interesses acadêmicos, área de atuação... Sei onde e o que estudou, por onde trabalhou, e, dentre tantas informações a seu respeito, destaco uma que me traz a convicção de que deve se tratar de um sujeito bacana: não é qualquer um que rompe com a lógica produtivista predominante no currículo Lattes e insere, em sua formação complementar, um curso de degustação de vinhos! Ótimo Renato! Eu sempre procurei, nas categorias rígidas do Lattes, um espaço para registrar experiências que foram fundamentais na minha formação, como papos intermináveis com amigos, momentos de contemplação do pôr-do-sol, uma ou outra viagem de bike. Quem sabe em breve eu também não incluo um curso de degustação de vinhos, ou de cachaça mineira...

Renato é um físico, educador, interessado na relação entre tecnologias e educação. Não posso deixar de divulgar algumas de suas inspiradoras iniciativas nessa área.

"Venho desenvolvendo uma experiência de utilização de ferramentas da Web 2.0 na construção colaborativa de conhecimento durante a disciplina ‘História e Epistemologia da Física’, do curso de Licenciatura Plena em Física da Universidade Luterana do Brasil. Veja aqui a descrição do projeto. Veja aqui o artigo publicado na RENOTE : Revista Novas Tecnologias na Educação".

"Física Interessante no Second Life - Estou criando um micromundo dentro do ambiente virtual Second Life onde a Física seja diferente, para ficar ainda mais interessante! Estão convidados a visitar. Física é massa! E no Second Life, muito mais"!

Renato, seja bem vindo a essas Ilhas Desconhecidas.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

A revolução das novas mídias

De que maneira as novas mídias interagem com a mídia tradicional? Como os jornais impressos estão lidando com este desafio? O que mudou e o que vai mudar na circulação da informação? Quem vai produzir conteúdos?

O programa "Globo News Especial" apresentou um debate com o tema "A revolução das novas mídias", tendo como convidados a editora executiva da Folha de S. Paulo, Eleonora de Lucena; o diretor de conteúdo do Grupo Estado, Ricardo Gandour; e o diretor de redação de O
Globo, Rodolfo Fernandes.


segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Celular nas aulas - fotolog fora do ar


Durante o tempo como professor no colégio de aplicação da UFMG (CP), fiz um registro regular das minhas aulas e de outros momentos da escola, com a participação dos alunos, utilizando principalmente câmeras de celular. Esse registro virou um fotolog, que foi prontamente retirado do ar a pedido da direção, em função da inexistência de autorização dos pais para exibir imagens das crianças. Ficou a promessa de que a escola faria formalmente esse pedido para que o material fosse disponibilizado no site do CP. Penso em publicar aqui no blog algumas fotos que, preservando a identidade das crianças, mostram como é possível aliar as tecnologia às aulas de Educação Física.

Abaixo segue a descrição do extinto álbum:

Durante os últimos meses fui professor substituto de Educação Física da Escola Fundamental do Centro Pedagógico da UFMG – CP/UFMG. Durante esse tempo, fotografei aulas com a câmera do meu celular. Também estimulei os alunos para que eles fizessem uso dos seus aparelhos eletrônicos em sintonia com as aulas, indo contra a posição de muitos professores de que celulares, câmeras, tocadores de música e afins devem ser negados, evitados, excluídos das salas de aula e da escola.

Minha desilusão com a escola (da qual falarei em outro momento, talvez em outro espaço) me fez ser drástico, repensar a vida, pedir demissão e buscar novos caminhos. Esse álbum é o registro de que essa decepção com o CP não condiz com a paixão que tenho pela Educação e, em especial, pela Educação Física. Nesse álbum, com essas pequenas capturas das aulas – alunos em movimento, sorrisos, fusão de linguagens e conhecimentos construídos e compartilhados – é que deixo meu protesto, meu pesar e minha esperança de que um dia essa escola seja um lugar de formação humana não melhor ou pior, mas diferente.

As fotos são propositalmente embaralhadas, misturam turmas, ciclos, diferentes aulas, como se fossemos surpreendidos pelas cenas ao andar pela escola.

De volta às ilhas desconhecidas: relato de um ex-professor substituto

Venho de meses difíceis: decisões, grandes mudanças, apostas, desilusões. Peso minha vida ao olhar para esse blog e ver o quanto ele esteve abandonado...


No início do ano fiz a opção de deixar o trabalho com educação à distância na UFSC e retornar ao cotidiano da vida de professor em aulas de Educação Física para o ensino fundamental. Me mudei de Florianópolis, voltei para Minas, fui trabalhar como professor substituto da Escola de Ensino Fundamental do Centro Pedagógico - CP, um dos colégios de aplicação da UFMG. Vivi uma grande desilusão com o caminho que escolhi. A escola se mostrou um ambiente de trabalho terrível, hierarquizado, cheio de contradições, disputas, descasos. Ela pouco condiz com uma instituição que se diz ser de formação humana.


Vem de mais de mais de uma década a dificuldade para repor o quadro de professores efetivos do ensino público. Isso gera uma situação em que temos substitutos substituindo substitutos ano após ano. A precariedade, que vem de cima refletida no trabalho temporário (dois anos de contrato mais dois anos de geladeira sem poder assumir outra vaga de substituto...) e na baixa remuneração (os substitutos recebem bem menos que 10 reais por hora de trabalho), ganha contornos sombrios nas relações que são tecidas entre professores efetivos e substitutos. Como exemplo, os substitutos chegam a dar três, quatro vezes mais aulas que os professores efetivos, enquanto uma parte considerável destes, sob o discurso de que é preciso assumir cargos administrativos, pesquisa e extensão, não se envolve de forma convincente com as atividades da escola. É muito cômodo dar raras aulas, ir numas poucas reuniões, sobrecarregar os substitutos, convencer voluntários a cobrir os buracos de forma mais precária ainda que os substitutos e no final justificar o salário se envolvendo só com o que é interesse próprio: atividades que passam longe do CP e que em nada contribuem para melhorar a situação precária em que a escola se encontra.


Arrisco dizer que o CP, hoje, é dependente dos professores substitutos. Dependente num sentido patológico, se assemelha a uma dependência química. Se hoje o governo diz que vai repor o quadro de professores, a escola trava nesses moldes em que ela está! Os substitutos, burrinhos de carga, entrariam em extinção. Os efetivos teriam que voltar para a sala de aula como uma carga horária que a maioria não tem há uma década! Uma crise de abstinência estaria instalada no CP.


É preciso discutir como as políticas governamentais, nesse caso específico, as educacionais, são apropriadas e ressignificadas pelo grupo que toma as decisões dentro de cada instituição, setor, etc., refletindo em toda a construção e organização do trabalho e das relações. Como as decisões que partem de cima, numa esfera macro, interferem na vida cotidiana de cada um de nós.


Comprei brigas desde que cheguei. Me esgotei física e mentalmente acreditando que a escola poderia ser um lugar melhor. Me matei de dar aulas, questionei posturas de professores e direção, fiz alianças com colegas que compartilham a crença de mudança. Transitei sempre entre o atropelo e o descaso dos acomodados reacionários de plantão. E ainda existia todo o conflito com o Projeto Segundo Tempo, história que por si só merece um post em outro momento.


Cansei. Emagreci, parei de dormir, perdi o bom humor, o brilho. O entusiasmo que sempre tive ao dar aulas foi sumindo. Quando dei por mim a dor já era profunda, era na alma.


Pesei toda minha vida. Numa decisão muito dolorosa, pedi demissão. Estou escrevendo um texto (denúncia) para circular no CP e na UFMG sobre essa realidade esfacelada e dolorosa, realidade que faz as pessoas chorarem pelos corredores, oprimidas em silêncio.


Não é apenas uma desistência. É também uma aposta de que eu posso contribuir muito mais em outros lugares. É uma decisão de esperança.


Meu foco voltou a ser o término da dissertação sobre o SL. Não estava conseguindo conciliar o esgotamento da escola (toda essa tensão aliada ao excesso de carga horária) com a dedicação necessária para a finalização do mestrado. Por mais que eu tenha em mim essa dificuldade evidente de lidar com o tempo, eu sou muito exigente com o que faço. Vou me dedicar ao que considero ser mais importante. Está reinaugurado o blog: estou de volta às ilhas desconhecidas...

quarta-feira, 18 de junho de 2008

A verdadeira história de Tião Coió

Vi esse pequeno documentário no Canal Brasil e corri para a internet para achá-lo.

Em tempos de alvoroço com a TV digital, vale a pena conhecer a verdadeira (e fantástica) história de Tião Coió, o homem que montou e vendeu no norte de Minas mais de 400 antenas parabólicas artesanais, chamadas por ele de "coiobólicas".



FICHA TÉCNICA

Fotografia André Amparo, Cecilia Torquato, Lele Luiza Roteiro André Brasil, André Amparo Edição André Amparo Empresa produtora André Amparo Som André Amparo Edição de som André Amparo Direção de produção André Amparo Produção Executiva André Amparo, Marcelo Henrique Montagem André Amparo

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

"El poder tiene miedo de Internet"

A tradução vem do blog Discursos do Outro Mundo, do português Paulo Frias. É uma provocante entrevista, publicada originalmente no El Pais, com Manuel Castells, sociólogo espanhol que se dedica ao estudo das redes como uma dimensão tangível do social.

"O Poder tem medo da Internet"

"Se alguém tem estudado as interioridades da sociedade da informação é o sociólogo Manuel Castells (Hellín, 1942). A sua trilogia 'La era de la información: economía, sociedad y cultura' foi traduzida em 23 idiomas. É um dos primeiros cérebros resgatados: voltou a Espanha, para dirigir a investigação da Universitat Oberta de Catalunya, em 2001, despois de ter investigado e dado aulas durante 24 anos na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Uma das suas investigações mais recentes é o Proyecto Internet Cataluña, no qual analisou durante seis anos, através de 15.000 entrevistas pessoais e 40.000 através da Rede, as alterações que a Internet introduz na cultura e na organização social, e que culminou com a publicação, com Marina Subirats, de Mujeres y hombres, ¿un amor imposible? (Alianza Editorial), onde aborda as consequências destas alterações.

Pergunta. Esta investigação mostra que a Internet não favorece o isolamento, como muitos acreditam, mas sim que as pessoas que mais participam em chats são as mais sociáveis.

Resposta. Sim. Para nós não é nenhuma surpresa. A surpresa é que esse resultado tenha sido uma surpresa. Há pelo menos 15 estudos importantes no mundo que apontam para esse mesmo resultado.

P. Porque pensa que a ideia contrária se propagou com tanto êxito?

R. Os meios de comunicação têm muito a ver com isso. Todos sabemos que as más notícias são mais notícia. Você utiliza a Internet, e os seus filhos também; mas é mais interessante pensar que está cheia de terroristas, de pornografia... Pensar que é um factor de alienação é mais interessante que dizer: a Internet é a extensão da sua vida. Se você é sociável, será mais sociável; se não o é, a Internet ajudará um pouco, mas não muito. Os meios de comunicação são, em certo modo, a expressão do que pensa a sociedade: a questão é porque é que a sociedade pensa assim.

P. Com medo do que é novo?

R. Exacto. Mas medo... de quem? Da velha sociedade face à nova, dos pais face aos seus filhos, das pessoas que têm o poder ancorado no mundo tecnológica, social e culturalmente antigo, face aos que surgem de novo, que não entendem nem controlam e que os percebem como um perigo, e que no fundo é. Porque a Internet é um instrumento de liberdade e de autonomia, quando o poder sempre esteve consolidado no controlo das pessoas, da informação e da comunicação. Mas isso acaba. Porque a Internet não se pode controlar.

P. Vivemos numa sociedade na qual a gestão da visibilidade na esfera pública mediática, como a define John J. Thompson, se converteu na principal preocupação de qualquer instituição, empresa ou organismo. Mas o controlo da imagem pública requer meios que sejam controláveis, e se a Internet não o é...

R. Não o é, e isso explica porque é que os poderes têm medo da Internet. Eu estive em não sei quantas comissões assessoras de governos e instituições internacionais nos últimos 15 anos (Portugal incluído), e a primeira pergunta que os governos fazem sempre é: como podemos controlar a Internet? A resposta é sempre a mesma: não se pode. Pode haver vigilância, mas não controlo.

P. Se a Internet é tão determinante na vida social e econômica, o acesso a ela pode ser o principal factor de exclusão?

R. Não, o mais importante continuará a ser o acesso ao trabalho e à carreira profissional, e antes a um nível educativo, porque, sem educação, a tecnologia não serve para nada. Em Espanha, a chamada brecha digital existe por uma questão de idade. Os dados são muito claros: entre os maiores de 55 anos, apenas 9% são utilizadores de Internet, mas entre os menores de 25 anos, são 90%.

P. É, pois, apenas uma questão de tempo?

R. Quando a minha geração tiver desaparecido, não haverá brecha digital no acesso. Agora, na sociedade da Internet, o complicado não é saber navegar, mas sim saber onde ir, onde procurar o que se quer encontrar e o que fazer com o que se encontra. E isso requer educação. Na realidade, a Internet amplifica a mais velha brecha social da história, que é o nível de educação. O facto de 55% dos adultos não ter completado, em Espanha, o ensino secundário, essa é a verdadeira brecha digital.

P. Nesta sociedade que tende a ser tão líquida, numa expressão de Zygmunt Bauman, na qual tudo muda constantemente, e que cada vez está mais globalizada, pode aumentar a sensação de insegurança, de que o mundo se move por baixo dos nossos pés?

R. Há uma nova sociedade que eu tentei definir teoricamente com conceito de sociedade-rede, e que não está muito longe da que define Bauman. Eu creio que, mais do que líquida, é uma sociedade em que tudo está articulado de forma transversal e onde há menos controlo das instituições tradicionais.

P. Em que sentido?

R. Espalha-se a ideia de que as instituições centrais da sociedade, o Estado e a família tradicional, já não funcionam. Então o chão foge-nos todo de uma vez. Primeiro, as pessoas pensam que os seus governos não as representam e não são fiáveis. Começamos, portanto, mal. Segundo, pensam que o mercado serve para os que ganham e não serve para os que perdem. Como a maioria perde, há uma desconfiança face ao que a lógica pura e dura do mercado lhes possa proporcionar. Terceiro, estamos globalizados; isto quer dizer que o nosso dinheiro está em algum fluxo global que não controlamos, que a população se vê submetida a pressões migratórias muito fortes, de forma que cada vez é mais difícil encerrar as pessoas numa cultura ou em fronteiras nacionais.

P. Que papel desempenha a Internet nesse processo?

R. Por um lado, ao permitir-mo-nos aceder a toda a informação, aumenta a incerteza, mas, ao mesmo tempo, é um instrumento chave para a autonomia das pessoas, e isso é algo que demonstrámos pela primeira vez na nossa investigação. Quanto mais autónoma é uma pessoa, mais utiliza a Internet. No nosso trabalho, definimos seis dimensões de autonomia, e comprovámos que quando uma pessoa tem um forte projecto de autonomia, em qualquer dessas dimensões, utiliza a Internet com muito mais frequência e intensidade. E o uso da Internet reforça, por sua vez, a sua autonomia. Mas, claro, quanto mais uma pessoa controla a sua vida, menos se fia nas instituições.

P. E maior pode ser a sua frustração pela distância que existe entre as possibilidades teóricas de participação e as que exercem na prática, que se limitam a uma votação de quatro em quatro anos, não acha?

R. Sim, existe um desfasamento enorme entre a capacidade tecnológica e a cultura política. Muitos municípios colocaram pontos Wi-Fi de acesso, mas ao mesmo tempo não são capazes de articular um sistema de participação, servem para que as pessoas organizem melhor as suas próprias redes, mas não para participar na vida pública. O problema é que o sistema político não está aberto à participação, ao diálogo constante com os cidadãos, à cultura da autonomia, e, portanto, estas tecnologias o que fazem é distanciar ainda mais a política da cidadania."