Pesquisa personalizada

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Desembarcando em ilhas tecnológicas

Poderás dizer-me pra que queres o barco, Para ir à procura da ilha desconhecida, Já não há ilhas desconhecidas, O mesmo me disse o rei, O que ele sabe de ilhas aprendeu-o comigo, É estranho que tu, sendo um homem do mar, me digas isso, que já não há ilhas desconhecidas, homem da terra sou, e não ignoro que todas as ilhas, mesmo as conhecidas, são desconhecidas enquanto não desembarcamos nelas. (SARAMAGO, José. O conto da ilha desconhecida. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 27)

Em seu conto permeado por um universo simples e mágico, José Saramago narra a história de um homem que pede um barco ao rei. Não qualquer barco, mas um que seja capaz de navegar mar afora em busca de uma ilha desconhecida. Metáfora dos nossos tempos, navegar não nos remete apenas ao deslocamento de um ponto a outro da superfície terrestre através dos incontáveis caminhos fluidos, porém físicos, do nosso planeta. O mundo, um dia mapeado por cartógrafos e hoje desnudado por satélites, já não abarca em seus mapas impressos a transformação (des)contínua(1) e rápida das paisagens científica, técnica, econômica, profissional, social. Navegar representa a propagada mobilidade que o mundo contemporâneo vivencia no cotidiano. A tecnologia abre um mar virtual a ser atravessado entre universos de problemas, mundos vividos, paisagens de sentidos. Um mar que não traz nítidos os seus limites e fronteiras e que desperta o olhar em busca do desconhecido.

Tempo e espaço, categorias básicas da existência humana, são experenciados de novas maneiras no cenário contemporâneo. Numa releitura de Camões aos ventos da tecnologia, navegar não é mais preciso. Navegar se tornou impreciso(2). Tempo e espaço ganham outras/novas concepções e significados e influenciam a organização de nossas rotinas diárias. São dissociados, comprimidos, estendidos, dissolvidos, supervalorizados, esvaziados. O distanciamento entre o tempo e o espaço, marco do mundo moderno, se torna tão extremado na imprecisão das navegações virtuais que nos leva a repensar a própria noção de modernidade. Vivenciamos hoje uma ruptura ou uma continuidade da organização social da modernidade(3)? A tensão entre uma continuidade moderna ou uma suposta ruptura pós-moderna coloca no centro da discussão a relação espaço-temporal advinda do uso das tecnologias. Mudou o mundo ou a maneira de enxergá-lo?

A ilha desconhecida a ser buscada não é puramente a informação. As ilhas não são construídas apenas de bytes, chips, fios, ondas eletromagnéticas que transitam antena a antena pelo ar. A informação – binária, digital, imaterial – não faz sentido sem pensarmos a sua relação com o ser humano, sua cultura e sociedade. Se todas as ilhas são desconhecidas enquanto não desembarcamos nelas, a busca por elas é pressuposto da sua existência. O rei do conto de Saramago pergunta ao homem que ilha desconhecida é essa que ele quer ir à procura. Ele responde que se pudesse dizer, então ela não seria desconhecida. Se a ilha desconhecida já não se encontra mar afora, qual o destino dos imigrantes que navegam se lançando aos mares digitais?

1 Vejo com desconfiança a suposição de que vivenciamos transformações contínuas no mundo contemporâneo. A idéia de continuidade me remete a um desenvolvimento unilinear e determinista que camufla possíveis rupturas, tensões, retrocessos, saltos qualitativos/qualitativos. Não creio que as transformações seguem uma direção que aponta necessariamente para o progresso, o bem-estar, a solução.

2 O jogo de palavras foi feito pelo professor Nelson Pretto, da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, em palestra proferida na UFSC em 2006 intitulada “Tecnologia e Novas Educações”.

3 Alinho o pensamento com autores que crêem na continuidade do projeto moderno de sociedade, constatando, no entanto, que as transformações em voga nas últimas décadas pressupõem uma releitura do conceito de modernidade. Penso em desenvolver melhor essa idéia posteriormente no blog.

2 comentários:

Horácio Mello disse...

Rogério
Curioso, pensar este conceito de ilha, encontrei nas minhas leituras algo que pode complementar:

“[...] surge de um processo histórico que eu chamo de "fe¬chamento do mapa". O último pedaço da Terra não reivindicado por uma nação-Estado foi devorado em 1899. O nosso século é o primeiro sem terra incógnita, sem fronteiras. Nacionalidade é o princípio mais im¬portante do conceito de "governo" - nenhuma ponta de rocha no Mar do Sul pode ficar em aberto, nem um vale remoto, sequer a lua ou os planetas. Essa é a apoteose do "gangsterismo territorial". Nenhum centímetro quadrado da Terra está livre da polícia ou dos impostos... em teoria.
O "mapa" é uma malha política abstrata, uma proibição gigantesca imposta pela cenoura/cacetete condicionante do Estado "Especializado", até que para a maioria de nós o mapa se torne o território -não mais a "Ilha da Tartaruga", mas os "Estados Unidos". E ainda assim o mapa continua sendo uma abstração, porque não pode cobrir a Terra com a precisão 1:1. Dentro das complexidades fractais da geografia atual, o mapa pode detectar apenas malhas dimensionais. Imensidões embutidas e escondidas escapam da fita métrica. O mapa não é exato, o ma¬pa não pode ser exato.
A Revolução fechou-se, mas a possibilidade do le¬vante está aberta. Por ora, concentramos nossas forças em "irrupções" temporárias, evitando enredamentos com "soluções permanentes".
O mapa está fechado, mas a zona autónoma está aberta. Metaforicamente, ela se desdobra por dentro das dimensões fractais invisíveis à cartografia do Con¬trole. E aqui podemos apresentar o conceito de psico-topologia (e psicotopografía) como uma "ciência" al-ternativa àquela da pesquisa e criação de mapas e "imperialismo psíquico" do Estado. Apenas a psicoto¬pografía é capaz de desenhar mapas da realidade em escala 1:1, porque apenas a mente humana tem a complexidade suficiente para modelar o real. Mas um mapa 1:1 não pode "controlar" seu território, porque é completamente idêntico a esse território. Ele pode se através de gestos algumas características. Estamos à procura de "espaços" (geográficos, sociais, culturais, imaginários) com potencial de florescer como zonas autónomas - dos momentos em que estejam relativa¬mente abertos, seja por negligência do Estado ou pelo fato de terem passado despercebidos pelos cartógrafos, ou por qualquer outra razão. A psicotopologia é a arte de submergir em busca de potenciais TAZs.
O fim da Revolução e o fechamento do mapa são, no entanto, apenas as fontes negativas da TAZ: ainda há muito a dizer sobre as suas inspirações positivas. Keação somente não pode gerar a energia necessária para "manifestar" uma TAZ. Um levante também pre¬cisa ser a favor de alguma coisa.” (BEY, 2001, p.21-22)
(BEY, Hakim.,TAZ: Zona Autônoma Temporária., sp., Conrad Livros., 2001.)

Será que a revolução é o SL?

O SL seria uma TAZ?

Seria o SL um “não-lugar” como Augé pensou?

Boas dúvidas!

Rogério Santos Pereira disse...

Boas perguntas Horácio! Vou pensar cada uma a seu tempo, pois são questões que eu terei, de uma forma ou de outra, que abordar na dissertação. Me arriscando numa reflexão rápida e superficial, não acho que a revolução seja o SL. Ele aponta tendências que mexem com a gente e nos tenta a sonhar com o futuro, mas é, sobretudo, uma tecnologia/espaço em construção. E carrega em si as mesmas contradições que do mundo onde ele foi criado, que é esse mundo que vivemos. Mas o SL(e cada vez mais teremos mundos virtuais 3D on-line, integrados ou não ao SL) está ai aberto para inventarmos usos para ele, dotá-lo se significado, e, porque não, fazermos a revolução!

Agora... a questão do não-lugar vai merecer uma postagem assim que eu refletir melhor sobre isso. Mas por hora penso: poderia ser o SL também um LUGAR, como Augé pensou?